Monday, January 09, 2006

O que a esquerda não reconhece!

"Cavaco Silva ainda não venceu, mas tudo indica que uma volta das presidenciais será bastante para o ex-primeiro-ministro chegar a Belém. Até aqui, nada de muito especial. Há muito era esperada a sua candidatura e há muito se sabia que essa candidatura seria forte e, provavelmente, ganhadora.
Todos os factos relevantes destas eleições estão na esquerda. Por um lado, porque não gerou um candidato que chegasse a colocar em causa a supremacia de Cavaco. Por outro, apresentou-se a estas eleições muito dividida e sem ideias precisas sobre o cargo.
Os debates entre Cavaco e Alegre e entre Cavaco e Soares mostraram, aliás, duas faces distintas da esquerda de quem se esperaria uma candidatura que pudesse disputar a vitória. Alegre mostrou-se cordato, tentando (embora sem sucesso) disputar o centro político; Soares mostrou-se combativo, tentando (igualmente sem sucesso) derrotar Cavaco através de um ataque cerrado a vários aspectos da sua personalidade.
O candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS mostrou-se invulnerável por uma razão assaz simples: não precisa de ganhar eleitorado, basta-lhe manter a vantagem. E, como não tem um «challenger» à altura, não se sente ameaçado pelo que pode revelar uma enorme calma e paciência, que lhe permitiram neutralizar os ataques de Soares. No entanto, acima de tudo, Cavaco tem uma arma: a crise. O ex-primeiro-ministro fala da crise, repisa o tema da crise e os portugueses sabem que o seu principal inimigo neste momento é essa mesma crise. A que agora se vive e a que ameaça o seu futuro, as suas reformas o seu bem-estar. E talvez pensem que Cavaco pode ser o melhor aliado do actual Governo para enfrentar esses desafios.
AO CONTRÁRIO, a esquerda não tem um discurso preciso sobre estes assuntos. Começa por não querer ou não poder reconhecer que o modelo social está ameaçado devido aos pressupostos em que assentou e não (sobretudo) ao que chamam política neoliberal (e que na Europa nem sequer é neoliberal). Não pode ou não quer reconhecer que a produtividade tem de aumentar imediatamente e não daqui a uma ou duas gerações, quando a igualmente necessária qualificação da mão-de-obra fizer efeitos. Não pode ou não quer reconhecer que há, provavelmente, um excesso de direitos adquiridos. E que há, também provavelmente, um excesso do peso do Estado na vida de cada um, a começar pela carga fiscal.
A esquerda democrática teve no século XX um programa geral que hoje, em função de fenómenos inelutáveis como a globalização ou a baixa natalidade, mostra as suas debilidades. Mas a esquerda (ou certa esquerda, como a dos presentes candidatos) acha que ser de esquerda é não reconhecer estes problemas... apesar de eles estarem, de um modo ou de outro, na cabeça da maioria dos eleitores.
É certo que esta área política poderia ter candidatos mais proactivos nesta matéria, alguns com grandes probabilidades de vencer, como António Guterres. Mas não quiseram avançar. Assim, com Alegre e Soares a esquerda dá de si própria a imagem que hoje temos: desunião e falta de ideias."
Henrique Monteiro

7 comments:

Ledbetter said...

Era este o artigo que me querias mostrar? Concordo em pleno com quase tudo, sublinhando o facto do desejo de ver António Guterres como presidente. Pena (e compreensível) que tenha recusado ( mas fica para mais tarde que ele agora tem mais que fazer). Contudo, ao Cavaco falta-lhe duas coisas essenciais: carisma e perfil de presidente. Para mim, a sua imagem fria e insípida e a sua linguagem tecnocrata e circunscrita não se coaduna com a descrição de uma figura presidencial. Sim , é isso mesmo! Estamos mesmo a votar para as presidenciais.

Carreira said...

Sabia que ias concordar! Como vês...não temos tantas diferenças assim!

Mac Adame said...

Cavaco É, de facto, o melhor aliado do actual governo. Ou seja, é o melhor aliado da crise. Esteve há pouco tempo um economista (não desses de trazer por casa, como Cavaco), curiosamente norte-americano, a explicar como é que a Irlanda conseguiu sair da crise. E sabem como foi? Baixando impostos, o que fez com que o país aumentasse todo o tipo de investimentos. Mas os atrasados mentais deste país pensam que é a tirar direitos e mais direitos aos portugueses que debelam a crise. Guterres não está interessado, porque Guterres foi o único Primeiro-Ministro que respeitou os portugueses, que não lhes retirava direitos todos os dias com a desculpa da crise. E, por isso, foi criticado pelos próprios portugueses. Guterres fez o que eu faria: num país de atrasados mentais que preferem acreditar em conversas de mentirosos como Sócrates e Cavaco, o melhor é dar à sola.

Carreira said...

Boa Macaco adriano! BOA!

Ledbetter said...

Não acredito que concordes na fábula de que o nosso modelo social actual ainda é sustentável e que a subida de impostos, o aumento da idade da reforma, e a retirada de muitos privilégios injustos a determinadas classes profissionais não sejam medidas mais do que inevitáveis num país com uma estrutura social e cultural completamente antagónica à da Irlanda. A Irlanda cresceu devido a muitos factores conjuntos e não somente devido a uma medida isolada de descida de impostos. Não houve remédios mágicos! Muito antes disso houveram medidas drásticas: eliminação de 10 mil postos de trabalho no sector público, cortes maciços na despesa pública . A despesa pública diminuiu mais de 10% em menos de 5 anos (dados oficias do Publico de Quinta-feira passada). A Irlanda cresceu também porque apostou na educação, na tecnologia, em mão de obra especializada e com a sorte de a sua economia estar para sempre associada à norte-americana (por razões essencialmente históricas). Eu estive lá durante um ano e pude verificar que a oferta em laboratórios e empresas farmacêuticas (para destacar apenas alguns exemplos) se deve quase exclusivamente a investimento de companhias americanas. A descida de impostos aconteceu muito depois do PIB e da riqueza líquida nacional já estar em incremento. A descida deve acontecer assim como o aumento de salários apenas após crescimento substancial da produtividade quando o modelo económico estiver mais saudável com o precedente emagrecimento do estado. Já para não falar de oura característica que nos diferencia da Irlanda – o envelhecimento e o não acompanhamento da taxa de natalidade. A taxa de natalidade irlandesa é das mais elevadas da Europa (1,45%, contra 1,08% em Portugal) que conjugada com uma baixa taxa de mortalidade possibilita à Irlanda um alto crescimento demográfico. Se não houver fertilidade suficiente para a substituição da população, quem é que vai pagar as reformas daqui a 10 anos? Este é um problema gravíssimo pois é já a curto-prazo (não sei se viram o “Prós e Contras” hoje na RTP1 mas todos os economistas, empresários e o ministro alertavam para esta situação preocupante). O papel do Estado Irlandês neste milagre económico foi decidir emagrecer e assumir um papel essencialmente regulador quando, até meados dos anos 80, havia sido um Estado investidor e com pretensões a criador de riqueza. Falhou totalmente nessas intenções. O Estado não tem vocação para se substituir aos empresários. A vocação do Estado é criar um clima favorável à actuação desses mesmos empresários. As actuais reduzidas taxas de crescimento da economia portuguesa só poderão subir com um desempenho substancialmente melhor de um sector privado, que desista de uma vez por todas de olhar para o Estado como uma muleta de sustentação de negócios. Podem-me chamar de esquerda-trabalhista mas apoio completamente a generalidade das medidas adoptadas por este governo. A estratégia do presente governo de Sócrates em todas as suas medidas mais desconfortáveis e de contenção são medidas mais do que irremediáveis para que ainda possamos manter as benesses do nosso modelo social nos próximos 10 anos. É tempo de cairmos na real!

Carreira said...

Obrigado pelo teu post! Está muito bom...e fiquei a saber coisas que desconhecia. Mas gostei particularmente da componente política do post do macaco adriano, mais do que o exemplo Irlanda...que tão bem conheces! O que é um facto é que as medidas que o governo Sócrates está a tomar vem somente seguir uma linha de política préviamente criticada por si e pelo seu partido e que havia sido adoptada pelos governos PSD-PP. E refiro, é uma política necessária! De resto, concordo contigo!

Mac Adame said...

E se calhar a Irlanda, para sair da crise, não tinha ministros que contratavam filhas para manter uma página da internet a troco de milhares de euros por mês, nem tinha administradores nem presidentes como o do Banco de Portugal, que ganham mais do que o Presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos e não tinha muito mais coisas que aqui aqueles que nos lixam a vida todos os dias têm. Quando sabemos de todos estes truques que o governo usa para enriquecer os seus membros, familiares e amigos enquanto nos obriga a viver cada vez pior, e mesmo assim o apoiamos, das duas uma: ou somos atrasados mentais ou também somos amigos deles e, por isso, também andamos a mamar.